Se Deus Tem seus Eleitos, pra que Evangelizar?
Se Deus Tem seus Eleitos, pra que Evangelizar?
Acho
que hoje concluo a resposta às perguntas que você me fez. Conforme
observei em sua mensagem, você também tem dúvidas acerca da necessidade
do evangelismo (ou mesmo da oração em favor de conversões), caso a
doutrina da eleição seja acolhida.
Mais
uma vez, devo dizer que você não está sozinho nessas dúvidas. Pode ter
certeza de que muitas pessoas estão esperando ansiosamente a resposta a
elas para botar ordem no seu conjunto de convicções teológicas.
Bom,
quanto ao evangelismo, talvez você se assuste, mas ao longo da história
da igreja cristã, a doutrina da eleição tem sido um dos maiores
estímulos à pregação do evangelho. O próprio Calvino, expoente mais
conhecido dessa doutrina, mantinha em Genebra um trabalho intenso de
divulgação do evangelho através da literatura. Ele também mantinha uma
academia para formação de pastores, visando ao preparo de expositores da
fé. Genebra, ao tempo de Calvino, era talvez o maior centro missionário
do mundo. João Calvino enviou ministros até para o Brasil! Foram os
primeiros protestantes a chegar aqui.
Observe
a vida do maior evangelista que o mundo já viu: George Whitefield. Ele
cria ferrenhamente na doutrina da eleição incondicional e, encorajado
por ela, superou Charles Wesley em seu ímpeto evangelístico, conforme o
parecer de Martin Lloyd-Jones.
Whitefield só não é tão conhecido hoje porque, diferente de Wesley, ele
nunca fundou um movimento (Wesley fundou o metodismo). Considere também
o maior pregador que já existiu: Charles Spurgeon. Ele cria piamente na
doutrina da eleição e, por isso, pregava sermões evangelísticos
poderosos, sabendo que os eleitos atenderiam à sua mensagem.
Agora,
pense um pouquinho no Brasil. Eu já disse que os primeiros pastores que
chegaram aqui foram enviados por João Calvino, o grande expoente da
doutrina da eleição. Mas tem mais: Você sabia que a primeira igreja
indígena brasileira surgiu no século 17 graças aos esforços missionários
da Igreja Reformada Holandesa, expoente clássica da doutrina da
eleição? Você sabia que João Ferreria de Almeida, o homem que traduziu a
Bíblia
para a nossa língua, a fim de alcançar o povo de fala portuguesa, era
ministro reformado, ou seja, acolhia e ensinava a doutrina da eleição?
Tudo isso mostra que, por algum motivo, a aceitação dessa doutrina não
inibe o evangelismo, nem a atividade missionária. Em vez disso, a santa
eleição estimula essas práticas.
Você deve estar pensando: “Tudo bem, mas como?”. A resposta a isso está, em parte, no livro de Atos.
Há outras passagens, mas acho que a de Atos é a mais clara e direta. Eu
tenho em mente o episódio em que Paulo se encontra em Corinto,
sentindo-se meio assustado com o ambiente da cidade e a oposição que se
formou ali (At 18). Então, num dado momento da narrativa, o Senhor estimula o trabalho missionário do apóstolo, dizendo-lhe o seguinte: “Não temas; pelo contrário, fala e não te cales; porquanto eu estou contigo, e ninguém ousará fazer-te mal, pois tenho muito povo nesta cidade” (At 18.9,10).
Veja
o que acontece aqui: Deus diz que tinha muito povo em Corinto. Eram os
eleitos dele que ainda não tinham escutado o evangelho. Então, o Senhor
encoraja Paulo mencionando esse fato. É como se dissesse: “Paulo, não
desanime em seu trabalho missionário e continue a pregar, pois meus
eleitos são muitos aqui”. Desse modo, a eleição, segundo a Bíblia,
estimulou o evangelismo, servindo como uma espécie de garantia ao
pregador de que, cedo ou tarde, sua mensagem seria acolhida, uma vez que
o Senhor tinha muitos eleitos espalhados por ali e eles fatalmente
atenderiam à palavra de Cristo (nesse sentido, veja especialmente João 10.16).
Lembre-se: Paulo chamou a fé salvadora de “fé que é dos eleitos” (Tt 1.1).
Logo, essa fé será com certeza acolhida por aqueles a quem Deus elegeu
por sua graça, sendo esse um dos grandes estímulos à pregação.
Você
deve estar pensando: “Mas pra que então pregar? Se em Corinto havia
eleitos, eles não creriam de qualquer jeito?”. Resposta: a doutrina da
soberania de Deus ensina que o Senhor não escolheu somente QUEM vai ser
salvo (os eleitos), mas também COMO esse alguém vai ser salvo. Esse como é descrito em 1Coríntios 1.21: “A Deus aprouve salvar os que creem pela loucura da pregação”. Assim, Deus alcança os que escolheu somente através do evangelismo — tarefa que é dada à igreja.
E da conjugação disso tudo que nos advém tanto o “peso” como o “estímulo” para pregar o evangelho. Sabendo que Deus salva pela pregação, assumimos o peso. Sabendo que Deus tem seus eleitos, recebemos estímulo e vamos em frente.
Bom,
você também perguntou sobre orar pela salvação das pessoas, dizendo
que, se Deus já decretou tudo, orar é algo inútil. Tudo bem! Entendo a
lógica do seu pensamento. O problema é que essa lógica não se aplica aos
ensinos bíblicos. Aliás, na Bíblia
a lógica é outra, pois os homens de Deus oram pedindo que Deus faça
exatamente o que decretou! Em outras palavras: o decreto estimula a
oração! Vou exemplificar pra ficar mais claro: Davi orou pedindo que
Deus firmasse o seu trono. Ele fez isso assim que Deus revelou seu
decreto de lhe firmar o trono! Daniel orou por Israel quando o exílio
completou 70 anos, mesmo sabendo que Deus havia decretado que o exílio
durasse 70 anos. Finalmente, João, ao saber do plano de Deus referente à
volta de Cristo, orou suplicando: “Vem, Senhor Jesus!”.
Como vê, a lógica humana não se encaixa muito na piedade bíblica. Nas Escrituras,
os homens de Deus oram pelo cumprimento dos decretos, mesmo sabendo que
os decretos se cumprirão! O fato é que, ao que parece, Deus quer que
oremos mesmo sabendo que ele decretou todas as coisas para que nos
tornemos participantes da realização de seus planos na maravilhosa
história da salvação que se desenrola diante dos nossos olhos. É assim
que, pela oração, participamos ativamente da redenção de pessoas que
eram eleitas e não sabíamos até agora, suplicando com lágrimas por quem o
Senhor conheceu, amou e escolheu muito antes de agora.
Abraço fraternal,
Pr. Marcos Granconato
Soli Deo gloria
Soli Deo gloria
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