Carta Aberta aos Grupos de Louvor
James K.A. Smith –
Querido Grupo de Louvor,
Eu aprecio muito a sua
disponibilidade e desejo de oferecer seus dons a Deus em adoração.
Aprecio sua devoção e celebro sua fidelidade — arrastando-se para
a igreja cedo, domingo após domingo, separando tempo para ensaiar
durante a semana, aprendendo e escrevendo novas canções, e tantas
coisas mais. Assim como aqueles artistas e artesãos que Deus usou
para criar o tabernáculo (Êxodo 36), vocês são dispostos a dispor
seus dons artísticos a serviço do Deus Triuno.
Portanto, por favor, recebam esta
pequena carta no espírito que ela carrega: como um encorajamento a
refletir sobre a prática de “conduzir a adoração”. A mim parece
que vocês frequentemente simplesmente optaram por uma prática sem
serem encorajados a refletir em sua lógica, sua “razão de ser”. Em
outras palavras, a mim parece que vocês são frequentemente
recrutados a “conduzir a adoração” sem muita oportunidade de parar
e refletir na natureza da “adoração” e o que significaria
“conduzir”.
Especificamente, minha preocupação é
que nós, a igreja, tenhamos involuntariamente encorajado vocês a
simplesmente importar práticas musicais para a adoração cristã que
— ainda que elas possam ser apropriadas em outro lugar — sejam
prejudiciais à adoração congregacional. Mais enfaticamente, usando
a linguagem que eu empreguei primeiramente em Desiring the
Kingdom¹, às vezes me preocupo de que tenhamos involuntariamente
encorajado vocês a importar certas formas de execução que são,
efetivamente, “liturgias seculares” e não apenas “métodos”
neutros. Sem perceber, as práticas dominantes de execução nos
treinam a relacionar com a música (e os músicos) de certa maneira:
como algo para o nosso prazer, como entretenimento, como uma
experiência predominantemente passiva. A função e o objetivo da
música nestas “liturgias seculares” é bem diferente da função e o
objetivo da música na adoração cristã.
Então deixe-me oferecer apenas alguns
breves conceitos com a esperança de encorajar uma nova reflexão na
prática da “condução da adoração”:
1. Se nós, a congregação, não
conseguimos ouvir a nós mesmos, não é adoração. A adoração cristã
não é um concerto. Em um concerto (uma particular “forma de
execução”), nós frequentemente esperamos ser sobrepujados pelo
som, particularmente em certos estilos de música. Em um concerto,
nós acabamos esperando aquele estranho tipo de privação dos
sentidos que acontece com a sobrecarga sensorial, quando o golpe
do grave em nosso peito e o fluir da música sobre a multidão nos
deixa com a sensação de uma certa vertigem auditiva. E não há nada
de errado com concertos! Só que a adoração cristã não é um
concerto. A adoração cristã é uma prática coletiva, pública e
congregacional — e o som e a harmonia reunidos de uma congregação
cantando em uníssono é essencial à prática da adoração. É uma
maneira “desempenhar” a realidade de que, em Cristo, nós somos um
corpo. Mas isso requer que nós na verdade sejamos capazes de ouvir
a nós mesmos, e ouvir nossas irmãs e irmãos cantando ao nosso
lado. Quando o som ampliado do grupo de louvor sobrepuja às vozes
congregacionais, não podemos ouvir a nós mesmos cantando — então
perdemos aquele aspecto de comunhão da congregação e somos
encorajados a efetivamente nos tornarmos adoradores “privados” e
passivos.
2. Se nós, a congregação, não podemos
cantar juntos, não é adoração. Em outras formas de execução
musical, os músicos e as bandas irão querer improvisar e “serem
criativos”, oferecendo novas execuções e exibindo sua virtuosidade
com todo tipo de diferentes trills e pausas e improvisações na
melodia recebida. Novamente, isso pode ser um aspecto prazeroso de
um concerto, mas na adoração cristã isso significa apenas que nós,
a congregação, não conseguimos cantar junto. Então sua
virtuosidade desperta nossa passividade; sua criatividade
simplesmente encoraja nosso silêncio. E enquanto vocês possam
estar adorando com sua criatividade, a mesma criatividade na
verdade desliga a canção congregacional.
3. Se vocês, o grupo de louvor, são o
centro da atenção, não é adoração. Eu sei que geralmente não é sua
culpa que os tenhamos colocado na frente da igreja. E eu sei que
vocês querem modelar a adoração para que nós imitemos. Mas por
termos encorajado vocês a basicamente importar formas de execução
do local do concerto para o santuário, podemos não perceber que
também involuntariamente encorajamos a sensação de que vocês são o
centro das atenções. E quando sua performance se torna uma
exibição de sua virtuosidade — mesmo com as melhores das intenções
— é difícil opor-se à tentação de fazer do grupo de louvor o foco
de nossa atenção. Quando o grupo de louvor executa longos riffs,
ainda que sua intenção seja “ofertá-los a Deus”, nós na
congregação nos tornamos completamente passivos, e por termos
adotado o hábito de relacionar a música com os Grammys e o local
de concerto, nós involuntariamente fazemos de vocês o centro das
atenções. Me pergunto se há alguma ligação intencional na
localização (ao lado? conduzir de trás?) e na execução que possa
nos ajudar a opor-nos contra estes hábitos que trazemos conosco
para a adoração.
Por favor, considerem estes pontos
com atenção e reconheçam o que eu não estou dizendo. Este não é
apenas algum apelo pela adoração “tradicional” e uma crítica à
adoração “contemporânea”. Não pense que isto é uma defesa aos
órgãos de tubos e uma crítica às guitarras e baterias (ou banjos e
bandolins). Minha preocupação não é com o estilo, mas com a forma:
O que estamos tentando fazer quando “conduzimos a adoração?” Se
temos a intenção que a adoração seja uma prática congregacional de
comunhão que nos traz a um encontro dialógico com o Deus vivo — em
que a adoração não seja meramente expressiva, mas também
formativa² — então podemos fazer isso com violoncelos, guitarras,
órgãos de tubos ou tambores africanos.
Muito, muito mais poderia ser dito.
Mas deixe-me parar por aqui, e por favor receba esta carta como o
encorajamento que ela foi feita para ser. Eu adoraria vê-los
continuar a oferecer seus dons artísticos ao Deus Triuno que está
nos ensinando uma nova canção.
Sinceramente,
Jamie
________________
Notas:
¹Desiring the Kingdom –
Worship, Worldview, and Cultural Formation (Desejando o Reino –
Adoração, Cosmovisão e Formação Cultural) [N. do T.]
² De acordo com o The Colossian Forum, a despeito de a adoração ser encarada hoje em dia apenas como algo que se vai em direção a Deus (expressão), ao longo da história ela sempre foi encarada também como a causadora de algo em nós (formação). “A adoração cristã é também uma prática formativa justamente porque a adoração também é um encontro ‘descendente’ no qual Deus é o atuante primário” (Fonte: http://www.colossianforum.org/2011/11/09/glossary-worship-expression-and-formation/). [N. do T.]
² De acordo com o The Colossian Forum, a despeito de a adoração ser encarada hoje em dia apenas como algo que se vai em direção a Deus (expressão), ao longo da história ela sempre foi encarada também como a causadora de algo em nós (formação). “A adoração cristã é também uma prática formativa justamente porque a adoração também é um encontro ‘descendente’ no qual Deus é o atuante primário” (Fonte: http://www.colossianforum.org/2011/11/09/glossary-worship-expression-and-formation/). [N. do T.]
Por James K.A. Smith. Original: forsclavigera.blogspot.com.brTradução: canteasescrituras.com
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